Melêagro e a caçada ao Javali de Cálidon

A grande caçada ao Javali de Cálidon

Certa vez na cidade de Cálidon (Calidão), na Etólia, o rei Eneu decidiu fazer sacrifícios aos deuses como forma de agradecimento pela colheita abundante.

O soberano fez suas oferendas para cada deus olímpico mas esqueceu-se completamente de um. A deusa deslembrada foi Ártemis, patrona dos caçadores, a qual ficou furiosa com o rei. Como vingança, ela enviou um poderoso javali, grande e feroz, para devastar os campos de Cálidon.

Além do tamanho descomunal, a fera tinha olhos faiscantes, cerdas pontiagudas como lança e presas longas como as dos elefantes indianos. A notícia da assolação de rebanhos, trigais, olivais e vinhas chegou ao palácio. Ali, o filho do rei, Melêagro prontamente se ofereceu para livrar o reino de tal infortúnio.

Os caçadores

Sabendo que os esforços dos cidadãos não surtiam efeito, Melêagro resolveu reunir os heróis da Grécia em uma grande caçada, a qual ficaria conhecida como a caçada ao Javali de Cálidon.

Os participantes que atenderam ao chamado do príncipe foram, entre outros:

Heróis reunidos para a caçada ao Javali de Cálidon
Gravura: Heróis reunidos para a caçada ao Javali de Cálidon, 1702 – 1767. Jacob Folkema.
Rijksmuseum.
Fonte: Wikimedia Commons.
  • Admeto, rei de Feras na Tessália
  • Anceu, filho de Licurgo, da Arcádia
  • Anfiarau, filho de Oiclés, de Argos
  • Atalanta, guerreira filha de Escoineu
  • Cástor e Pólux (os Dióscuros), de Esparta
  • Cefeu, irmão de Licurgo
  • Drias, filho de Ares
  • Euritíon, filho de Áctor
  • Idas e Linceu, primos dos Dióscuros
  • Íficles, irmão gêmeo de Hercules, de Tebas
  • Jasão, líder dos Argonautas
  • Nestor, que mais tarde lutaria na Guerra de Tróia
  • Peleu e Telamon, filhos de Éaco
  • Pirítoo, amigo de Teseu
  • Teseu, famoso herói ateniense
  • Tios de Melêagro
    • Êupio
    • Eurípilo
    • Íficlo
    • Plêxipo

Uma relutância

Reunidos os heróis, o rei Eneu os hospedou durante nove dias. No décimo dia Anceu e Cefeu, e mais alguns outros, negaram-se a ir para a caçada em companhia de uma mulher. Meleagro, que era casado com Cleópatra, filha de Idas e Marpessa, tinha desenvolvido uma paixão pela guerreira Atalanta e queria ter um filho com ela. Sendo assim, o líder da caçada obrigou os heróis a aceitarem a presença da jovem, alegando que ela era tão eficiente quanto qualquer homem ali, e em seguida partiram.

A busca pelo Javali de Cálidon

A turba seguia de perto os vários cães de caça que estavam no encalço do javali. Chegando na toca da fera fixaram várias redes e incitaram os cachorros.

O javali estava escondido em um terreno pantanoso que encontrava-se descendo após um bosque. A redes não foram suficientes para conter a fera e, na sua primeira investida dois tombaram mortos, sua monstruosidade era aterradora. Mais dois caçadores foram feridos gravemente e Jasão, dirigindo uma prece à Ártemis, lançou um dardo que atingiu seu alvo, contudo, sem causar dano. Nem os cães escapavam de suas presas afiadas.

Embora estivessem em maior número a luta era desigual. O azar parecia recobrir os caçadores que, além de não acertarem a fera, ainda perderam um dos seus em um terrível acidente: Peleu ao atirar sua lança acabara atingindo a presa do javali onde ricocheteou e atingiu fatalmente Euritíon, que não resistiu. Nestor, após ser atacado, busca salvar-se subindo em uma árvore e Telamon cai de cara no chão após tropeçar em uma raiz durante sua investida.

Quando tudo parece perdido

Melêagro dá a última estocada no Javali de Cálidon.
Pintura: Melêagro e a caçada ao Javali de Cálidon, 1602 – 1607. circa 1616-1620.
Kunsthistorisches Museum.
Fonte: Wikimedia Commons.

Todos estavam temerosos de que Ártemis estivesse protegendo o Javali de Cálidon, pois isto o tornaria indestrutível. Apesar da caçada estar indo de mal a pior, Atalanta, que era atlética e hábil, dispara uma de suas flechas, derramando pela primeira vez o sangue da fera. O ferimento, embora leve, fora exaltado por Melêagro. Anceu, sentindo grande inveja da exaltação, decide proclamar seu próprio valor e desafiar o javali, bem como a sua deusa guardiã. Então, quando Anceu atacou, a fera o derrubou e o feriu mortalmente.

A despeito das baixas sofridas o afã seguia-se e Teseu tentou, com sua lança, por fim a vida do animal, porém a arma teve seu trajeto desviado por um galho. Entrementes, Jasão continua disparando seus dardos mas, por um infortúnio, acaba errando o alvo e mata um de seus cachorros. Contudo, Anfiarau, disparando habilmente uma seta, acerta um dos olhos do javali.

Cansado de fugir e com ferimentos abertos, o Javali de Cálidon resolveu lutar, no que configurou-se como uma última tentativa desesperada de salvar-se. Foi atacado pelos heróis e seus cães, estes últimos arrancaram-lhe uma orelha. O javali lutava bravamente derrubando montarias e contra-atacando com suas presas, mas não era suficiente. Melêagro, aproveitando um brecha, enterra sua espada no coração do javali que tomba sem vida, a caçada terminara.

Os espólios

Melêagro entrega a cabeça do Javali Calidônio para Atalanta
Gravura: Melêagro entrega a cabeça do Javali Calidônio para Atalanta, 1660 – 1685. Coenraet Decker .
Rijksmuseum.
Fonte: Wikimedia Commons.

Todos se alegraram e renderam vivas à Melêagro, o algoz do Javali de Cálidon. Apesar da morte da fera ser resultado de um esforço coletivo, fora o filho de Eneu quem dera o golpe fatal e, portanto, era merecedor dos troféus: a cabeça e a pele do monstro.

Valendo-se de seu direito, Melêagro esfola e decapita o javali e, ao final, oferece os despojos à Atalanta, a quem amava em segredo, tendo como justificativa o fato dela ter acertado o primeiro golpe na fera. Há que se dizer que nenhum dos outros participantes ficou feliz em ver uma mulher receber as honras, pois todos queriam o prêmio, mas foram seus tios Êupio, Eurípilo, Íficlo e Plêxipo quem mais se ofenderam.

A partir desse momento a situação de Melêagro ficou muito delicada e o fato ainda causaria complicações futuras…

Bibliografia

BRANDÃO, J. S. Mitologia Grega. 1.ed. v. 2. Petrópolis: Vozes, 1987.

BULFINCH, T. O livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis. Tradução de David Jardim. 1.ed. Rio de Janeiro: Agir, 2015.

FRANCHINI, A. S.; SEGANFREDO, C. As 100 melhores histórias da mitologia: deuses, heróis, monstros e guerras da tradição greco-romana. 9.ed. Porto Alegre : L&PM, 2007.

KURY, M. G. Dicionário de mitologia grega e romana. 8.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.